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Os fatos escondidos nos dados do IPCA

Neste artigo, o especialista aponta, tecnicamente, os motivos da contradição nos dados do IPCA.

O último resultado do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), referente ao mês de abril, apontou inflação de 0,61%. Embora seja melhor que os dados de março (0,71%) e de abril do ano passado (1,06%) — além da queda, em 12 meses, de 4,18% —, ainda assim, é sinal negativo para o Banco Central (Bacen) quanto ao seu esforço de combate à inflação. É necessário entender tecnicamente o motivo desse aparente paradoxo.

O primeiro fato é que, apesar da queda consistente, a análise do índice de 12 meses esconde um perigo. Por causa das desonerações pontuais do combustível e da energia, os índices de julho, agosto e setembro de 2022 foram a -0,68%, -0,36% e -0,29%, respectivamente. 

Em julho, agosto e setembro de 2023, a troca do índice fará com que o IPCA de 12 meses suba imediatamente. Expurgados esses pontos, o valor de um ano deve subir para 6%, muito longe da meta de 3,25% — e mesmo fora da banda superior de 1,5%.

Outro fato que precisa ser esclarecido: a inflação que mede com mais precisão o aquecimento da demanda é a de serviços. Nos Estados Unidos, existe o conceito core inflation, que isenta preços muito voláteis. Como no Brasil não temos essa concepção, usa-se muito a inflação dos serviços, a qual, em um ano, se aponta 7,49%, um ponto-chave que explica a ausência da baixa de juros permanente — no entanto, o importante é entender por que que esse índice é o mais relevante.

Podemos dividir o indicador de inflação em três componentes: expectativas, inflação de demanda e choques. Deixaremos para falar do primeiro mais adiante. Agora, o primordial é entender a diferença entre choques e demanda. Imagine, por exemplo, uma quebra na safra de arroz e uma expressiva mudança no patamar de preços. 

Quando tudo voltar ao normal, provavelmente o arroz devolverá essa mudança, e não há nada que o Banco Central (Bacen) poderá fazer a respeito. Nesse caso, de nada adiantaria mudar o patamar da taxa de juros. Já a demanda talvez seja o componente central. Se as pessoas estão consumindo mais do que a economia pode produzir em pleno emprego, o crescimento da procura atinge o ponto de custo crescente das empresas e acarreta inflação progressiva. 

Aqui, os serviços são os mais sensíveis a esse aumento nos custos aos consumidores, já que dificilmente sofrem choques de oferta. Assim, ao ganhar mais, a população consome mais viagens, cabeleireiros e restaurantes de forma imediata. Por isso, a inflação dos serviços é o termômetro perfeito da inflação de demanda — e exige ação da autoridade monetária. Os bancos centrais se atentam mais a esse índice do que ao cheio, mais um motivo para cautela com juros.

Voltemos ao primeiro componente: as expectativas. O Bacen não deve apenas cuidar da inflação presente, mas também assegurar aos agentes econômicos comprometimento suficiente para que essa inflação siga uma dinâmica sustentável no futuro. 

A política de juros também pode mostrar isso, posto que também reafirma esse compromisso com a inflação presente e com a dinâmica temporal. Por essa razão, a autoridade monetária precisa usar o instrumental de juros para ancorar as expectativas.

Em suma, é crucial analisar a inflação de demanda, representada pelos serviços, e as projeções de inflação de médio e longo prazos, pois nenhuma ainda está dentro da banda superior. O Bacen tem muito trabalho pela frente.

Fonte: Portal Contábeis

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